quinta-feira, 1 de maio de 2014

O 1º de Maio de 1974. (Memórias de uma menina que na época tinha 10 anos.)



                                                                   

Do 25 de Abril de 74 ao 1º de Maio foi um pulo de lobo!
Pela primeira vez em muitas décadas a população podia dar largas à sua ânsia de liberdade, e era de supor que esta data fosse assinalada de forma talvez ímpar na história deste País.
Tal como sucedeu em outras localidades, Alenquer não foi excepção.
Recordo-me perfeitamente, que foi depois de almoço que o povo saiu à rua. O largo do coração da terra pejou-se de gentes.
Os meus pais também acorreram à “chamada”, e por arrasto lá fui com eles, sem compreender muito bem o significado de todo aquele ajuntamento de pessoas, que pareciam brotar do chão, qual formigas saídas do formigueiro.
As palavras de ordem sucediam-se:
- “O povo unido, jamais será vencido!”, “O povo está com o MFA!”
E a marcha foi seguindo o seu rumo, percorrendo todas as ruas da vila, até que às tantas, comecei a sentir medo de toda aquela turba de gentes. Não conhecia ninguém, não percebia a razão de tanto grito e alarido. Dei a mão à minha mãe e apertei-a com quanta força tinha, temendo ser arrastada, e separada dela e do meu pai.
A páginas tantas consegui fazer-me ouvir, e perguntei à minha mãe:
- Mas para onde é que esta gente vai?
A minha mãe ao ver a minha expressão de medo tentou acalmar-me, mas parecia que quanto mais ela o fazia, mais medo eu sentia. Levava encontrão de um lado, berrava outro do outro, até que por fim soçobrei, e desatei num choro convulsivo, com todos os olhares a caírem sobre aquela menina que balbuciava entre soluços:
- Eu quero ir para casa!
Não houve nada que me demovesse, e a minha mãe teve de bater em retirada, e vir comigo de volta ao lar doce lar!
Quanto ao meu pai, esse andou por lá até que durou, e quando chegou a casa disse-me que eu já era crescida para fazer birras daquelas!
Aqui para nós, ainda hoje as grandes aglomerações me fazem confusão e, gostando eu tanto de flores, não consigo engraçar com cravos vermelhos, nem com a designada música de intervenção. Não é necessário ser psicólogo para perceber o porquê!
Quase em seguida entrar-se-ia no designado PREC e, o meu “martírio” acentuou-se…mas dessa época falarei num próximo post. Nessa época os sons emitidos pela rádio eram maioritariamente os que aqui vos deixo, e esta vossa amiga tinha que esperar pelo programa do Rádio Clube Português,"Quando o Telefone Toca" para ouvir Art Sullivan, de quem era fã incondicional, e com o qual aprendi imenso francês!








1 comentário:

  1. Apesar de praticamente não ter havido derramamento de sangue, aquele período conturbado marcou-nos a todos, mesmo a nós os garotos.

    Durante anos, também tive horror a manifestações. Não porque não achasse que as pessoas não tinham o direito à manifestar-se, mas porque à volta de 1975, estive numa manifestação com os meus pais no Terreiro do Paço, em apoio ao Pinheiro de Azevedo, que na época tentava moderar os avanços dos comunistas e da extrema Esquerda. Eu estava pendurado na base de uma das colunas da arcaria do Terreiro do Paço, quando soltaram bombas de gás lacrimogéneo e foi uma cena de pânico horrível com gente a fugir e a gritar. Foi nesse dia que se criou a expressão "é só fumaça, é só fumaça". Em todo o caso ganhei durante anos um medo desgraçado a concentrações. Ainda hoje não gosto de grandes multidões, embora já tenha ido a manifestações, porque por vezes temos que mesmo sair para a rua e gritar.

    Bjos

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