domingo, 2 de fevereiro de 2014

Uma menina nascida no séc XIX, de sua graça, Adelaide - A girl born in the nineteenth century, of his grace, Adelaide







Corria o Ano da Graça de mil oitocentos e cinquenta e quatro.
Estávamos em Janeiro. O frio e o vento eram cortantes.
Maria, a Rodeira, tinha-se deitado fazia tempo, quando foi despertada pelo latir dos cães da vizinhança.
Como estes não deixassem de se fazer ouvir, e achando estranho tão desusado alarido, resolveu levantar-se e vir espreitar pelo postigo da sua acanhada cozinha.
Colocou o xaile de lã sobre as costas, e foi com algum receio que perscrutou a noite de breu.
Cruzes credo! Àquelas horas não podia ser cousa boa…
Isto de se viver junto de uma encruzilhada só podia trazer maus encontros…e se bem calhasse poderia tratar-se de algum lobisomem, ou alguma alma penada.
Com o coração a bater acelerado tentou escutar e olhar com atenção. Foi então que, juntamente com o latir dos cães, percebeu um outro som, que sem sombra de dúvidas era o choro de uma criança recém-nascida.
Ficou admirada, mas principalmente revoltada perante o facto de numa noite tão fria e de grande ventania, alguém ter coragem de vir deixar uma criança na Roda dos Expostos.
Percebendo assim do que se tratava, saiu porta fora o mais depressa que pôde, e chegada à Roda, deparou-se com um bebé num cesto de vime. Dentro deste estavam inúmeras peças de enxoval, qualquer uma delas dignas de gente de teres e haveres, e o mais significativo de tudo; um singelo papel aonde estavam escritas algumas palavras. No entanto, e porquanto fosse analfabeta, guardou o papel consigo, e trouxe a criança para dentro de casa.
Já dentro da sua cozinha, tirou o bebé do cesto e verificou que se tratava de uma menina, a qual não teria mais do que três dias de nascida.
No manhã seguinte levou-a à presença do Sr. Prior para que fosse baptizada o quanto antes. E ao Sr. Prior entregou o papel que a acompanhava. Em seguida a menina foi entregue aos cuidados de uma ama-de-leite.
Esta menina era  minha trisavó paterna, e o papel que a acompanhava rezava assim:
“ A esta menina há-de ser dado o nome de Adelaide”.
E Adelaide ficou, tendo-lhe sido acrescentado “de Jesus”.
Adelaide de Jesus, uma menina a quem roubaram a família em criança, e uma herança em adulta.
Mas essa é outra história a que voltarei mais tarde.



1 comentário:

  1. Que interessante. A Alexandra ainda tem esse documento? Ou sabe da sua existência por tradição oral?

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